Parte IV
OS TROPHÉOS DA BRIGADA MILITAR DO ESTADO:
VANDALICAMENTE REDUZIDOS A BARRAS, E VENDIDOS AO PREÇO MISERAVEL DE 2:000$000,
FOI A SORTE QUE TIVERAM OS GLORIOSOS TROPHÉOS QUE PERPETUAVAM A BRAVURA DO
SOLDADO PARAENSE. (escrita da época)
Vae, para o
seu termo o processo instaurado na policia para apurar quaes os responsáveis
pelo desvio dos trophéos da antiga Brigada Militar do Estado.
É uma das
grandes vergonheiras realizadas sob o auspicios do governo terremoto, que bateu
o “record” em proclamar lisuras na sua administração...
No entanto,
o tempo se encarregou de trazer a lume as irregularidades que se passavam nos
bastidores daquella época, desvendando aos olhos do povo ludibriado o quanto
eram falsas as attitudes emphaticas e as parolagens do dynamico desorganizador
do nosso Estado.
A
Providencia Divina, porem, quis que, mais cedo do que se esperava, terminasse
aquelle periodo de arrocho imposto ao Pará pelo maior despota que esta terra já
conheceu.
E eis que,
uma vez alijado do governo o Sr. Joaquim Barata, constitucionalizado o Estado,
moralizada a administração, começam a surgir os escandalos occoridos na sua
interventoria.
Hontem, o
caso dos automoveis do Matadouro Maguary, vendidos clandestinamente a incautos
commerciantes; hoje, o dos trophéos da Brigada Militar do Estado, reliquias de
inestimavel valor, conquistadas com heroismo na batalha de Canudos.
Como é
sabido, o dr. Eduardo Chermont, ex-chefe de Policia, em officio dirigido ao dr.
Mario Chermont, então secretario da Instrucção e Saude Publica, declara ter
remettido os trophéos ao secretario da Fazenda, sob cuja guarda ficaram, no
entanto, contradizendo-se agora, disse no inquerito instaurado na policia, que
os referidos valores estiveram depositados na thesouraria da policia, “não
tendo a menor lembrança de os haver entregue a qualquer outra repartição”...
Ante essa
extranha declaração, o dr. Salvador Borborema, 3.º delegado auxiliar, que
presidiu ao inquerito, requereu ao juiz da 5ª vara a prisão preventiva do
ex-thesoureiro daquella repartição, Marcolino Rothilde de Carvalho.
Acompanhando
o officio em que requisita aquella providencia judicial, o dr. Salvador
Borborema, fez annexar copias authenticadas dos depoimentos já prestados no
inquerito respectivo.
O 3º
delegado assim começa o seu officio de requisição da prisão preventiva:
Usando da
faculdade que me conferem o art. 50 do decreto estadual, n. 1352, de 21 de
janeiro de 1905, e art. 64, n. 28, do decreto estadual n. 3516, de 26 de março
de 1919 (regulamento do Serviço Policial), - venho requisitar a v. exc. A
prisão preventiva de Marcolino Rothilde de Carvalho, cidadão brasileiro, casado,
de profissão e residencia ignoradas, providencia que se faz necessaria seja
decretada no interesse da Justiça, como passo a demonstrar a v. exc., com a
devida “venia”. Está instaurado nesta Delegacia Auxiliar, de ordem do exmo. Sr.
Dr. Chefe de policia, inquerito para apurar responsabilidades pelo extravio dos
objectos preciosos pertencentes ao patrimônio da antiga Força Publica Militar
do Estado.
Neste inquerito
já colhi provas de que taes objectos, apos a extincção daquella Força, por acto
de 22 de novembro de 1930, foram entregues ao dr. Eduardo Chermont, então chefe
de policia; pelo dr. Mario Chermont, nomeado, naquella época, para exercer as
funcções de secretario da Instrucção e Saude Publica, na sala onde se
encontravam ditos objectos, estando presentes varios officiaes da referida
Força, os quaes já depuzeram no mencionado inquerito, affirmando o facto.
Do archivo
da secretaria da Policia Civil, consta o seguinte officio que foi endereçado ao
dr. Mario Chermont, pelo dr. Eduardo Chermont, sobre a entrega e recebimento
dos citados objectos:
“Belem, 23
de dezembro de 1930. Officio n. 689. Illmo. Sr. dr. Secretario da Instrucção e
Saude Publica. Declaro, pelo presente, que recebi das mãos de v. s. o seguinte:
tres grinaldas de ouro, tendo ao centro
uma estrella; uma dita, tendo ao centro um escudo; uma medalha do mesmo metal,
apposto num laço com faixa; dois cartões de ouro, com brilhante maior e tres
menores; um dito do mesmo metal, com um brilhante maior e seis pequenos. Esses
objectos, que estavam no commando geral, foram com officio, enviados ao dr.
secretario da Fazenda do Estado, sob cuja guarda ficarão.
Chefe de
Policia”.
Essas joias
são as mesmas descriptas ás fls. 122 e 123, do Almanack da Brigada Militar do
Estado, do anno de 1911, e foram avaliadas, em 1910, em Rs. 90:000$000. e hoje,
em centenas de contos de réis e de valor historico inestimavel, pois
representam trophéos da campanha de Canudos, na qual a antiga Brigada Militar
do Estado conquistou grande destaque pelos seus feitos heroicos e gloriosos.
Em vez de
serem remettidos esses mimos á Secretaria da Fazenda Publica, foram elles
entregues ou confiados á guarda do então thesoureiro da Policia Civil,
Marcolino Rothilde de Carvalho, como confessa o dr. Eduardo Chermont, em seu
depoimento:
“...que
recorda-se perfeitamente que essas joias estiveram depositadas no cofre da
thesouraria desta chefia, não tendo a menor lembrança de as ter entregue a
qualquer outra repartição...”
Em junho de
1931, Marcolino Rothilde de Carvalho apropriou-se das joias, já mencionadas,
que lhe foram confiadas e sobre as quaes tinha a guarda em razão das foncções
de thesoureiro da Policia Civil, que exercia naquella época, e prevalecendo-se
da negligencia do chefe de policia, que se esqueceu de tão preciosos e valiosos
objectos, como fazem certo suas proprias declarações – “não tendo a menor
lembrança de as ter entregue a qualquer outra repartição” – e , ainda, no proposito
de fazer desapparecer a procedencia do ouro, fragmentou aquelles mesmos
objectos, delles retirando os brilhantes.
Esses
pedaços de ouro provenientes das joias da Força Publica, foram entregues por
Marcolino a Orlando de Mattos Guerra, seu amigo e com quem vinha fazendo transacções
de dinheiro e de joias, pedindo a este que os fundisse em barras de ouro, e,
depois, procurasse para ellas collocação.
Orlando de
Mattos Guerra contá, assim, a entrega daquellas reliquias:
“que em
1930, em junho, mais ou menos, em dia que não pode procisar, encontrou-se na
avenida 15 de Agosto, proximo da 28 de Setembro, com Marcolino Rothilde de
Carvalho, amigo do declarante e com quem mantinha transacções de dinheiro e de
joias, o qual falando ao declarante disse-lhe que tinha varias peças de ouro,
dizendo que eram de sua propriedade e entregando um embrulho ao declarante,
pediu-lhe que fundisse essas peças e, reduzidas a barras, procurasse collocação
para ellas: que o declarante recebeu então das mãos de Marcolino um embrulho
que foi aberto rapidamente por este e em seguida o declarante dirigiu-se para a
officina de ourivesaria de Azevedo e Sousa, ahi mandou fundir as peças que
recebeu de Marcolino, assistindo pessoalmente a fundição: que fundidas as
peças, foram feitas tres ou quatro barras, as quaes o declarante, depois de
mostrar a Marcolino, negociou-as por ordem do mesmo na casa de joias Krause
& Cª, pela importancia de dois contos ou dois contos e cem mil réis,
importancia que o declarante entregou a Marcolino...”
Antes de
serem essas barras de ouro vendidas á Krause & Cª. Foram offerecidas a C.
Nunziata e AffonsoGaeta & Cª.
Vicente
Rodrigues, a quem tambem foi offerecido o ouro da Brigada, já fundido em
barras, depondo disse:
“...que em
1931, em junho, mais ou menos, foi procurado por Orlando de Mattos Guerra,
pessôa de sua amizade e conhecimento, e por este lhe fôram offerecidas para
comprar quinhentas e tantas grammas de ouro em barra, que nessa ocasião Mattos
Guerra lhe contou, porque o declarante insistiu com elle em saber a procedencia
desse ouro, que era proveniente da fundição de diversas peças, como sejam
cartões, medalhas e corôas, objectos estes que Mattos Guerra havia recebido de
Marcolino Rothilde de Carvalho, então thesoureiro da policia Civil, a fim de fundir,
o que foi feito na officina de um rapaz que o declarante conhece pelo nome de
Othilio Azevedo, officina essa situada na rua Paes de Carvalho, defronte da Palmeira...”
Othilio
Furtado de Azevedo, o ourives que fundiu as peças de ouro levadas á sua officina
por Orlando de Mattos Guerra, em seu depoimento declarou:
“...que em
junho do anno de 1931 compareceu na mencionada officina o cidadão Orlando de
Mattos Guerra, já do conhecimento do declarante e pediu a este para fundir
varias peças de ouro que mostrou na occasião; que essas peças de ouro eram
pedaços de objectos que haviam sido quebrados, mas que o declarante ainda poude
distinguir varias medalhas e uma corôa trazendo ramos entrelaçados, alguns
pedaços de chapas, podendo o declarante affirmar que essas peças traziam
inscripções que o declarante não as leu em virtude de estarem as peças
fragmentadas...”
Como se vê,
os indicios já são bem fortes, mais que vehementes, da responsabilidade
criminal de Marcolino Rothilde de Carvalho, pelo extravio dos preciosos e ricos
mimos da antiga Brigada Militar do Estado.
Mas, a policia
trabalha ainda para melhor apurar o facto criminoso imputado a Marcolino e
outros co-auctores e co-responsaveis e pensa que a administração da justiça
somente terá elementos formaes para manifestar-se quando estiverem completas as
diligencias, já emprehendidas, para o descobrimento de todo o ouro e,
principalmente, dos valorosos brilhantes.
E só
conseguirá exito nessas diligencias, na presente phase de instrucção do
processo, com a prisão de Marcolino Rothilde de Carvalho, que se foragiu desde
as primeiras noticias publicadas sobre “Os Trophéos da Brigada” na FOLHA DO
NORTE, mas que ha de ser encontrado para responder pelo seu crime e apontar os
seus cumplices.
É de se
notar, ainda, que Marcolino, durante o tempo que serviu as funcções de
thesoureiro da Policia Civil, no curto periodo de 28 de outubro de 1930 a 5 de
novembro de 1932, quando foi demittido a bem do serviço publico, lesou os
cofres da mesma policia, desfalcando os seus haveres na importancia de Rs.
5:500$000, tendo elle effectuado o pagamento dessa quantia e retirou-se,
immediatamente, para o Estado de Pernambuco, onde se estabeleceu, segundo estou
informado.
Conclue o
dr. Salvador Borborema o seu longo officio dizendo estar convencido de que
provou sufficientemente a criminalidade de Marcolino, tornando-se, desse modo,
necessaria a sua prisão, pois só assim não se deixará “impune um dos mais
revoltantes crimes que se hão praticado na administração publica”.
Além de
valor material, avaliado actualmente em centenas de contos de réis, como diz o
relatorio do sr. 3º delegado, ha o valor estimativo das joias e trophéos que
“os regeneradores do Pará” não souberam ou não quizeram aquilatar.
E o ouro que
continham os ricos trophéos, reduzido a barras, foi vendido a importante
joalheria desta cidade pela irrisoria quantia de 2:000$000...
E era desse
modo que o governo do sr. Barata queria recommendar-se á gratidão dos
paraenses.
Que se
prenda Marcolino Carvalho, mas que se não deixam impunes os verdadeiros responsaveis
pelo desvio do patrimonio maior da antiga Brigada Militar, uma das glorias do
nosso Estado. (escrita da época)
Fonte: Jornal Folha do
Norte, pag. 01 de 21 MAR 1936 – Biblioteca Artur Vianna
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